Vladyslav Vyazovskiy, professor associado de neurociência, Universidade de Oxford
Em dias frios e escuros é tentador imaginar fechar-se até o tempo mais quente voltar. Muitos animais fazem exatamente isso ao entrar num estado conhecido como torpor, que reduz suas funções corporais ao mínimo e usa as reservas de gordura em seu corpo para energia. Os humanos poderiam hibernar da mesma forma?
Para além de proporcionar uma forma conveniente de evitar o Inverno, um motivo para descobrir pode ser o advento de viagens espaciais de longa distância. Uma viagem ao nosso planeta mais próximo, Marte levaria cerca de oito meses usando a tecnologia actual. Se um dia esperarmos visitar outro sistema estelar, mesmo que pudéssemos viajar à velocidade da luz, a viagem levaria anos. Ser capaz de entrar num estado de torpor a longo prazo tornaria essas distâncias consideravelmente menos aborrecidas para os astronautas e conservaria recursos vitais.
Como neurocientista, faço actualmente parte de uma equipa de peritos organizada pela Agência Espacial Europeia para saber se e como poderemos colocar os humanos num estado de estase. Ainda é uma questão em aberto mas, pelo menos em teoria, não podemos excluir que isso seja possível.
Temperatura corporal e metabolismo
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Torpor parece ter evoluído para preencher eficazmente as lacunas durante aqueles períodos do ano em que não há necessidade de certos animais estarem no mundo, por exemplo quando a comida é escassa. Tecnicamente refere-se a um estado regulado de metabolismo reduzido, ou seja, as reacções químicas no corpo de um organismo que o mantêm vivo abrandam. O ritmo cardíaco, a respiração e o consumo de energia diminuem drasticamente e a temperatura corporal também pode cair.
Quando e por quanto tempo os animais entram no torpor podem variar enormemente, desde muitos meses do ano, até apenas algumas horas por dia durante um período de poucos meses. Alguns animais, tais como ratos e beija-flores, entram em estado de torpor diariamente, se precisarem de poupar energia. Outros, como os ouriços e ursos, entram em períodos prolongados de torpor, geralmente durante o inverno (isto é o que chamamos de hibernação). Aquelas espécies que entram em torpor todos os anos, mesmo que as condições lá fora sejam estáveis, são chamadas de hibernadores obrigatórios.
O facto de grandes mamíferos como os ursos e até primatas, como o lêmure anão de cauda gorda de Madagáscar, poderem hibernar significa que teoricamente os humanos não são demasiado grandes ou ávidos de energia para entrar em torpor. A nossa origem evolutiva também não nos impede de o fazer, uma vez que foram encontrados animais em hibernação em todos os tipos de mamíferos.
Hipotermia e metabolismo controlados já são amplamente utilizados na prática clínica, como durante a cirurgia cardíaca e para proteger os tecidos de danos quando o fluxo sanguíneo é reduzido, como após um AVC. A diminuição da temperatura corporal e do metabolismo significa que as células precisam de menos oxigénio, permitindo a sua sobrevivência em condições em que o oxigénio não pode ser fornecido. Este processo de arrefecimento artificial em humanos parece semelhante ao torpor espontâneo em animais, na medida em que inclui a redução da respiração, do ritmo cardíaco e do metabolismo. Mas a principal diferença é que os animais parecem “conhecer” o caminho para entrar no torpor de forma segura e espontânea. Baixar a temperatura do corpo humano bloqueando sua termorregulação natural requer o uso agressivo de drogas.
Uma das dificuldades de replicar o torpor é que nós não sabemos realmente como os animais começam e mantêm o processo. Muita pesquisa tem sido dedicada a investigá-lo, mas poucas respostas conclusivas têm sido obtidas até agora. Por um lado, é possível que o torpor seja desencadeado de forma “bottom up”, começando com mudanças ocorrendo em células individuais do corpo a nível molecular. Mas uma abordagem “top down” que envolve sinais do sistema nervoso ou hormônios também pode desempenhar um papel.
Proteger o cérebro
Há outra questão chave com a idéia de hibernação humana, e é o que ela pode fazer com o cérebro. Os hibernadores de animais saem regularmente do torpor durante um período de horas ou dias, mas muitas vezes passam esse tempo a dormir, antes de regressarem à hibernação Da mesma forma, os animais que emergem do torpor diário também costumam entrar num sono profundo.
Isso tem levado alguns cientistas a sugerir que, embora tendamos a pensar na hibernação como sendo como um sono longo, o torpor na verdade cria um estado de privação de sono e os animais precisam de compensar regularmente por isso. Podemos ver isto na forma como os padrões de ondas cerebrais dos animais são semelhantes quando emergem do torpor para quando foram privados de sono.
Isto talvez porque o baixo metabolismo e temperatura corporal do torpor estão associados à atividade nessas regiões cerebrais, que são tipicamente associadas à regulação do sono. Mas também pode ser porque o torpor altera o cérebro de uma forma que o poderia danificar se não fosse restaurado pelos mecanismos do sono. O cérebro é altamente sensível à falta de oxigênio e por isso precisa ser protegido durante o tempo em que o suprimento de sangue e nutrientes é reduzido.
Uma outra maneira que o torpor afeta o cérebro é reduzindo e reorganizando as conexões sinápticas que são a base das nossas memórias. Pesquisas em animais como morcegos mostram que a maioria das memórias são preservadas mesmo depois de muitos meses em um estado de depressão neuronal quase completa. Mas algumas memórias parecem ser melhor cuidadas do que outras, como a capacidade de se lembrar de parentes próximos. Assim, se quiséssemos induzir a hibernação humana, seria de vital importância investigar melhor como as memórias são retidas durante um longo período de torpor.
Embora ainda não estejamos seguros de que a hibernação humana prolongada seja possível, a pesquisa olhando para mecanismos potenciais pode fornecer os novos insights necessários para que isso se torne realidade. Os recentes avanços tecnológicos e novas ferramentas farmacológicas e genéticas já demonstraram grande potencial para induzir ou manipular o sono. Mas para entender completamente como poderíamos induzir a hibernação humana com segurança, provavelmente precisaremos dissecar circuitos-chave do cérebro e identificar as principais vias moleculares que regulam nossas funções do sono.
Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation. Leia o artigo original.