Bob Harris, Lost in Translation

‘Então o que estás aqui a fazer?’

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‘Um par de coisas. Fazendo uma pausa da minha mulher, esquecendo o aniversário do meu filho e, uh, recebendo dois milhões de dólares para endossar um whisky quando eu poderia estar fazendo uma peça em algum lugar… Mas a boa notícia é que o whisky funciona.’

A estrela de cinema Bob Harris, que se desvanece, interpretado na perfeição por Bill Murray, passa o filme Lost in Translation de 2003 num estado de deslocamento permanente; com jet-lag, incapaz de dormir e à deriva numa cultura alienígena, a milhares de quilômetros de seu casamento cada vez mais sem alegria.

Relutantemente em Tóquio para encabeçar uma campanha publicitária para o whisky Suntory, Harris se une a uma jovem americana, Charlotte (Scarlett Johansson), ficando no mesmo hotel com seu famoso marido fotógrafo. Como Harris, ela não consegue dormir.

Como o par isolado cresce cada vez mais próximo, temas de amor, escolhas de vida e família são gentilmente explorados. O relacionamento deles está à beira da infidelidade, antes de se afastarem da beira do abismo em uma tocante cena noturna em que Harris toca castamente o pé de Charlotte enquanto eles adormecem.

Whisky fornece tanto o dispositivo dramático que traz Harris a Tóquio, quanto os melhores momentos cômicos do filme. A filmagem do anúncio Suntory (usando uma garrafa de Hibiki de 17 anos de idade) é um filme que envolve um diretor excitável e um intérprete incompetente, culminando em Harris, em casaco de jantar e poltrona de couro, entregando o agora clássico slogan: ‘Para tempos relaxantes… faça o tempo Suntory.’

Estado de deslocamento: O papel da estrela desfasada a jacto foi escrito com Murray em mente

Later, um photoshoot igualmente confuso vê um Harris cansado descer em imitações do Rat Pack e Roger Moore. ‘Você está bebendo agora?’, pergunta o fotógrafo. ‘Estou a beber?’, responde ele. ‘Assim que terminarmos.’

Harris/Murray e Lost in Translation director Sofia Coppola estão a trilhar um caminho bem usado. Ao longo dos anos, os anúncios de uísque japonês têm apresentado uma longa linha de celebridades de Hollywood, de Orson Welles a Keanu Reeves; Sean Connery a Sammy Davis Jr. Em 1980, o pai de Coppola, o realizador Padrinho Francis Ford Coppola, filmou uma série de anúncios para a Suntory ao lado do célebre cineasta japonês Akira Kurosawa.

Há também ecos de outros filmes. O horizonte negro de Tóquio, pontuado por néon, tem a sensação distópica de Blade Runner; enquanto escrevia o roteiro, Coppola estava pensando no Brief Encounter e, para Bob e Charlotte, na relação entre Humphrey Bogart e Lauren Bacall em O Grande Sono.

Lost in Translation acaba conseguindo muito com muito pouco: um orçamento de US$ 4 milhões, uma filmagem de 27 dias (alguns deles envolvendo filmagens não autorizadas em Tóquio) e um roteiro que tinha sido reduzido até os ossos. Não foi sobrescrito”, disse Murray sobre o roteiro em uma entrevista posterior. Não foi sentimental, não foi maudlin. Estava limpo. Era mesmo de reserva.’

Ele acrescentou: ‘Eu sei que ia pregar aquele personagem… Eu só pensei: “Eu gosto disto. Está tudo aí. Está tudo lá e também posso trazer um pouco mais a isto”‘

Caminho percorrido: Ao longo dos anos, muitas celebridades de Hollywood anunciaram uísque japonês

Quanto mais é evidente se compararmos o guião original com o filme final. O dom de Murray para a improvisação conjura alguns dos melhores momentos de Lost in Translation, como a filmagem do anúncio (Coppola não lhe dizia o que o realizador lhe gritava), as trocas não escritas com o fotógrafo e a cena do ‘dedo do pé preto’ num bar de sushi (o guião diz simplesmente: ‘Ele fá-la rir’).

Coppola escreveu a parte de Bob Harris com Murray em mente, mas assegurar seus serviços foi outro assunto (o ator é notoriamente esquivo e escapa de convenções, como agentes e endereços de e-mail). Demorou cerca de um ano e, mesmo com a equipe em Tóquio e um gasto de US$ 1 milhão no filme, Coppola ainda não sabia quando, ou se, a estrela de seu filme iria aparecer – porque nenhum contrato havia sido assinado.

Murray chegou a Tóquio uma semana depois de todos os outros, e passou grande parte das filmagens em um estado de jet-lag que espelhava a condição do personagem que ele estava interpretando. Johansson, enquanto isso – então apenas 17 – se descreveu na época como ‘ocupado, vulnerável e cansado’.

Após um lançamento cinematográfico inicial limitado, Lost in Translation decolou, acabando por ganhar 120 milhões de dólares na bilheteira. Também foi nomeada para quatro Oscars – Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Ator.

Ganhou apenas um – Coppola para Melhor Roteiro Original – no ano em que o Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei varreu o quadro. Murray tinha sido o favorito para ser nomeado Melhor Ator (ganhou um Globo de Ouro e um BAFTA), mas perdeu para Sean Penn por Mystic River. Quando o nome de Penn foi lido, Murray não aplaudiu.

Odd couple: Alienação paradoxalmente aproxima Harris e Charlotte

‘Eu realmente pensei,’ disse ele mais tarde. Eu ganhei todos os prêmios no caminho… Eu fiquei meio surpreso. Eu não estava zangada nem nada. Eu só estava como “o quê?”.’

Apesar da linha ‘Suntory time’ ter permanecido na consciência pública, o mistério duradouro do filme gira em torno de sua cena final, quando Harris pára o carro levando-o ao aeroporto para perseguir Charlotte através das multidões de Tóquio. Ele a alcança, eles se abraçam, ele sussurra algo para ela, eles se beijam, eles se separam.

Mas o que ele diz a ela? Naturalmente, não está no guião. Há todo tipo de teorias, e algumas pessoas têm usado a tecnologia na tentativa de amplificar as palavras de Harris, com resultados variados. Uma hipótese da internet tem Harris como marido de Charlotte, viajando no tempo do futuro para passar mais tempo com ela (ele faz o anúncio do Suntory porque viajar no tempo é caro).

Até hoje, Coppola diz que o sussurro não foi bem interpretado, e que até ela não sabe o que foi dito. Quanto ao Murray? “Sabes, eu disse a alguém uma vez. Eu disse a alguém a verdade uma vez e eles não acreditaram em mim. Então eu disse: “Para o inferno com isso, não vou contar a ninguém”… Será apenas um mistério maravilhoso.’

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