Onset of rheumatoid arthritis during pregnancy | Revista Colombiana de Reumatología (Portuguese Edition)

Introduction

Artrite reumatóide afeta 0,7-1% da população em geral, com predominância no sexo feminino e maior prevalência no grupo de mulheres em idade fértil.1 Há uma série de alterações imunológicas e hormonais durante o período de gestação que podem eventualmente alterar a resposta imunológica e, portanto, o comportamento clínico da doença já estabelecida. O início da artrite reumatóide na gravidez é um fenômeno de freqüência muito baixa e sem relatos na literatura, por isso consideramos interessante e pertinente relatar estes 2 casos clínicos de artrite reumatóide durante a gestação.

Relatos de casosCaso 1

Uma mulher primípara de 30 anos, grávida de 30 semanas no momento da avaliação pela Reumatologia, sem história pessoal ou familiar relevante de doença auto-imune, consulta para um quadro clínico de 4 meses de evolução consistindo em dor articular de características inflamatórias que se inicia no ombro esquerdo e que melhorou com acetaminofen. Posteriormente, a dor articular torna-se generalizada nas mãos, pulsos, joelhos e quadril, e melhora com a atividade física; ela também se refere à rigidez articular matinal associada com duração de 1h.

No exame físico articular são encontradas 6 articulações dolorosas (interfalangiana proximal bilateral 2-4) e 8 articulações inchadas (interfalangiana proximal bilateral 2-5), com intervalo de movimento limitado do carpo devido à dor (Fig. 1). Estudos para artropatia inflamatória são iniciados, encontrando: fator reumatóide 493IU/ml (valor normal

14IU/ml), anticorpos anticiclíticos peptídeos citrinos 1030,8U/ml (valor normal20U/ml), aumento da PCR em 2,22mg/dl (valor normal 0-1mg/dl), ESR 32mm/h. Os ANAs, ENAs e anti-DNA são negativos, com complemento e hemograma dentro dos limites normais.

Fig. 1.

Foto das mãos do paciente mostrando evidência de sinovite das articulações interfalangianas proximais, metacarpofalangianas e punhos.

(0.07MB).

Dado o contexto de um paciente com dor articular de características inflamatórias, presença de um elevado número de articulações inchadas e dolorosas, com elevação dos reagentes de fase aguda e positivização do fator reumatóide e anti-CCP em títulos elevados, é diagnosticada artrite reumatóide precoce ativa, com DAS 28 a 5,72. É considerada uma paciente com fatores de mau prognóstico e o manejo é iniciado com modificadores de doença permitidos na gravidez (hidroxicloroquina, baixas doses de prednisolona e acetaminofen), com os quais se consegue um controle adequado dos sintomas. O resultado da gravidez é um recém-nascido saudável do sexo feminino, sem complicações obstétricas durante o parto. A paciente permanece em remissão durante o pós-parto, continuando o tratamento imunomodulatório com antipalúdico e glicocorticóide em baixas doses.

Case 2

Uma mulher primípara de 24 anos, grávida de 25 semanas no momento da avaliação pela Reumatologia, sem história pessoal ou familiar relevante de doença auto-imune, consulta para um quadro clínico de 3 meses de evolução, consistindo em dor poliarticular de características inflamatórias com envolvimento das mãos, pulsos, cotovelos, joelhos e tornozelos. Ela nega a presença de rigidez matinal.

No exame físico articular são encontradas 10 articulações dolorosas (interfalangiana proximal bilateral 3-5, punhos, cotovelo esquerdo e joelho direito) e 10 articulações inchadas (interfalangiana proximal bilateral 2-5, punho esquerdo e joelho direito), com teste de compressão bilateral nas mãos (Fig. 2). Estudos para artropatia inflamatória são iniciados, encontrando: fator reumatóide 512IU/ml (valor normal

14IU/ml), anticorpos anticiclíticos peptídeos citrinos>500U/ml (valor normal20U/ml), aumento da PCR em 16,3mg/dl (valor normal 0-1mg/dl), ESR 55mm/h. Os ANAs, ENAs e anti-DNA são negativos, com complemento e hemograma dentro dos limites normais.

Fig. 2.

Foto das mãos do paciente mostrando evidência de sinovite das articulações interfalangianas proximais, metacarpofalangianas e punho esquerdo.

(0.13MB).

Dado o contexto de um paciente com dor articular de características inflamatórias, presença de um elevado número de articulações inchadas e dolorosas, com elevação dos reagentes de fase aguda e positivação do factor reumatóide e anti-CCP em títulos elevados, é diagnosticada artrite reumatóide precoce activa, com DAS 28 a 6,71. É considerada uma paciente com fatores de mau prognóstico e o manejo é iniciado com modificadores de doença permitidos na gravidez (sulfassalazina, baixas doses de prednisolona e acetaminofen), com os quais se consegue um melhor controle dos sintomas. Atualmente ela continua em seu terceiro trimestre de gravidez, com melhor controle da artrite reumatóide e em acompanhamento, devido ao alto risco obstétrico, pelo serviço de Reumatologia de nossa instituição.

Discussão

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura buscando informações sobre o diagnóstico, prognóstico e tratamento da artrite reumatóide na gravidez. Foram utilizados os seguintes termos do MeSH: gravidez, artrite reumatóide, diagnóstico, prognóstico, tratamento. A pesquisa foi realizada na MedLine, Scopus, SciELO e Cochrane, selecionando artigos em inglês e espanhol, sem limite de tempo na publicação. A primeira observação que indicou que os sintomas da artrite reumatóide melhoraram durante a gravidez vem do século passado, a partir de uma publicação de Hench em 1938.2 Posteriormente, outros estudos mostraram valores variáveis em termos da percentagem de pacientes que entram em remissão da doença, com uma tendência para uma maior percentagem de pacientes em que ocorre remissão clínica (Tabela 1), embora esta variabilidade nos resultados possa ser explicada pelas diferentes definições de remissão, dados os diferentes instrumentos utilizados em cada um dos diversos estudos para avaliar o grau de actividade da doença (contagem de articulações inchadas e dolorosas, conceito clínico, DAS 28, RADAI, resposta EULAR, ESR, entre outros).

Tabela 1.

Resumo dos estudos nos quais foi avaliado o comportamento clínico de pacientes com artrite reumatóide durante o período gestacional e pós-parto.

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Referência Tipo de estudo Número de pacientes Método de avaliação da atividade da AR Patientes com melhora durante a gravidez, % Patientes com exacerbação pós-parto, %
Hench2 Retrospectiva 20 Relatório do paciente 90 90
Oka13 Retrospectiva 93 Relatórios retirados de a história clínica 77 >81
Hargreaves14 Retrospectiva 10 Relatórios retirados da história clínica 90 90
Ostensen et al.15 Prospectiva 31 Exame físico 75 62%
Ostensen e Husby16 Retrospectiva 12 Exame físico, duração da rigidez matinal 75 Sem dados reportados
Klipple e Cecere17 Retrospectiva 93 Exame físico 77 82
Nelson et al.18 Misturado 41 Exame físico, relatório do paciente, ESR >60 Sem dados reportados
Barrett et al.19 Prospectiva 140 Escala analógica visual, HAQ 66 75
Østensen et al.20 Prospectiva 10 Contagem de 44 juntas, RADAI 70 60
De Man et al.21 Prospectiva 84 DAS 28 39 38
De Man et al.22 Prospectiva 118 DAS 28, resposta EULAR 43-75 33-42
Modificado de Hazes et al.23

O mecanismo pelo qual a artrite reumatóide tenderia a melhorar durante a gravidez não está totalmente elucidado; no entanto, considera-se que a gravidez é uma situação clínica de tolerância imunológica induzida pelo feto semialogénico. Isto é devido a diferentes fatores que incluem vários processos imunológicos, entre os quais se destacam: involução tímica, diminuição da atividade das células NK e diminuição da resposta imunológica nos linfócitos Th1 com mudança para a atividade Th2.3 Além disso, o sinciotrofoblasto expressa moléculas que inibem o complemento, como é o caso do fator de aceleração da decadência e da proteína co-fator da membrana, que protege as células embrionárias contra lise mediada por complementos.4 Do ponto de vista da imunidade celular, deve-se notar que a ativação das células T na interface materno-fetal é inibida pela expressão local da indoleamina 2-3 dioxigenase, que degrada o triptofano, um aminoácido essencial para a ativação das células T.5

Nos 2 casos relatados, encontramos pacientes com dores articulares claramente inflamatórias, com presença de uma alta contagem de articulações inchadas e dolorosas e com resultados de testes paraclínicos compatíveis com a artrite reumatóide. O diagnóstico de casos individuais é claro, dada a sua apresentação florida; no entanto, a peculiaridade clínica que nos motivou a publicar estes casos reside no facto de as pacientes iniciarem os sintomas durante a gravidez, uma situação muito pouco frequente na prática clínica, sem poder identificar outros relatos de casos semelhantes de início de artrite reumatóide durante a gravidez. Quando realizamos a pesquisa da literatura encontramos 3 casos de doença de Still no adulto que iniciam durante o período gestacional,6-8 mas nenhum caso de artrite reumatóide.

As pacientes com artrite reumatóide podem necessitar de tratamento farmacológico durante a gravidez. Neste contexto, as opções são limitadas não só pela atividade da doença, mas também por preocupações relacionadas à toxicidade fetal.9,10 Os fármacos mais frequentemente utilizados no tratamento da artrite reumatóide podem ser divididos em 4 categorias de acordo com o risco de desenvolvimento fetal:

  • Fármacos com risco moderado a elevado de dano fetal: metotrexato e leflunomida são encontrados neste grupo, com alto risco de causar defeitos congênitos, tais como malformações congênitas do sistema nervoso central, paralisia cerebral, alterações na ossificação do crânio, extremidades e palato, portanto devem ser evitadas durante a concepção e gravidez. Estes fármacos devem ser descontinuados pelo menos 3 meses e 2 anos antes da concepção, respectivamente, devido à sua retenção prolongada nos tecidos.11,12

  • Drogas que podem ser usadas seletivamente durante a gravidez: este grupo inclui os glicocorticóides como prednisona, prednisolona e metilprednisolona, que atravessam a placenta em baixas concentrações e são relativamente seguros para o seu uso na gravidez quando são usados em baixas doses.24 Os anti-inflamatórios não esteróides podem ser usados com segurança durante a gravidez com certas considerações, tais como serem evitados durante a pré-concepção e no início da gravidez, uma vez que podem interferir com a implantação do embrião; da mesma forma, devem ser evitados no terceiro trimestre devido ao risco de fechamento prematuro do canal arterial.25,26 Os inibidores do fator de necrose tumoral também podem ser usados eletivamente, pois foi determinado que o risco de defeitos congênitos em pacientes expostos a este tipo de drogas é baixo.27,28

  • Risco mínimo fetal e materno: estas são drogas que podem ser usadas durante a gravidez; hidroxicloroquina e sulfazalazina estão incluídas aqui. Azatioprina, a droga antirreumática mais usada em lúpus e outras doenças do tecido conjuntivo também está incluída neste grupo.21,29

  • Risco desconhecido: neste grupo estão as drogas em que os testes relacionados aos riscos são insuficientes, e inclui certos agentes biológicos, nos quais sua continuidade durante a gravidez deve ser acordada com a mãe, que deve receber informações sobre os riscos potenciais desta medicação no caso de decidir continuar durante a gravidez. Rituximab, abatacept, tocilizumab e tofacitinib são encontrados dentro deste grupo.30

Conclusão

Nós relatamos dois casos separados de aparecimento de artrite reumatóide no segundo e terceiro trimestres de gravidez, um fenômeno incomum na prática clínica, sem encontrar outros relatos de casos similares na literatura.

Conflito de interesse

Os autores declaram não ter nenhum conflito de interesse.

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