Q: Um amigo Baptista perguntou-me: “Porque é que chamamos ‘Pai’ aos padres quando Jesus nos disse para não chamar ‘pai’ a ninguém na terra? Como responderias a esta pergunta?
Esta pergunta refere-se ao ensinamento de Jesus encontrado no Evangelho de São Mateus, quando Ele disse: “Não chames teu pai a ninguém na terra”. Só Um é teu Pai, aquele que está nos céus” (Mt 23,9). Tomado literalmente, teríamos que nos perguntar por que usamos este título de “Pai” quando Jesus parece proibi-lo. Primeiro, devemos nos lembrar do contexto da passagem. Jesus está abordando a hipocrisia dos escribas e dos fariseus – os sábios líderes religiosos do judaísmo. Nosso Senhor os castiga por não darem um bom exemplo; por criarem cargas espirituais onerosas para os outros com suas diversas regras e regulamentos; por serem altivos no exercício de seu ofício; e por se promoverem procurando lugares de honra, buscando marcas de respeito e usando símbolos ostensivos. Basicamente, os escribas e os fariseus haviam esquecido que eram chamados a servir ao Senhor e aos que lhes eram confiados com humildade e espírito generoso.
Dado esse contexto, Jesus diz para não chamar ninguém na terra pelo título de “Rabino”, “Pai”, ou “mestre”, no sentido de arrogar-se uma autoridade que repousa em Deus e de esquecer a responsabilidade do título. Ninguém deve jamais tomar o lugar, nem usurpar os privilégios e o respeito que pertence ao Pai celestial. Como Jesus disse, somente o Pai celestial é o verdadeiro Pai, e somente o Messias é o verdadeiro mestre e rabino. Na mesma linha, Jesus disse: “Quem ama pai ou mãe, filho ou filha, mais do que a mim, não é digno de mim” (Mt 10,37). Por causa da autoridade do Pai celestial e do respeito que lhe é devido, Jesus se referiu livremente ao seu Pai celestial como “Pai”, e nos ensinou a orar o “Pai nosso” (Mt 6,9-13).
Outrossim, o próprio Nosso Senhor usou o título de “pai” para vários personagens em Suas parábolas: Na parábola do rico e do mendigo, Lázaro, o rico, grita do fundo do Inferno: “Pai Abraão, tem piedade de mim”, e o uso do título “pai” ocorre três vezes (cf. Lc 16,19-31). É preciso perguntar-se: se Jesus proibiu o uso do título de “pai”, por que instrui o povo com uma parábola em que os personagens usam o título? Fazê-lo parece ser contraditório e, na realidade, enganador para o público. O mesmo é verdade na parábola do Filho Pródigo: O jovem filho pródigo, ao voltar, diz: “Pai, pequei contra Deus e contra ti” (cf. Lc 15,11-32). Dada a maneira como nosso Senhor usou o título de “pai” em tantos ensinamentos, inclusive ao repetir o quarto mandamento, nosso Senhor não pretendeu proibir o chamado de pai pelo título de “pai”; ao contrário, Ele proibiu o mau uso do título.
Usamos estes títulos em nossa linguagem comum: Nós chamamos aqueles que nos instruem e aos outros de “professor”; o nosso pai, “pai”; e os líderes religiosos judeus, “rabino”. Especialmente no sentido religioso, aqueles que servem ao Senhor e representam Sua autoridade, como professor, pai e especialmente como sacerdote, devem estar atentos para exercê-la com diligência, humildade e coragem. Usar esta autoridade para o auto-valorização é pura hipocrisia. Jesus disse no final desta passagem: “Quem se exalta será humilhado, mas quem se humilha será exaltado”
Desde os primeiros tempos da nossa Igreja, temos usado o título de “Pai” para os líderes religiosos. Aos bispos, que são os pastores da comunidade eclesial local e os autênticos mestres da fé, foi dado o título de “Pai”. Consequentemente, São Pedro pode muito bem ter sido tratado como “Pai Pedro”, nesse sentido de pai espiritual. A probabilidade deste discurso é apoiada por São Paulo, que se identifica como pai espiritual. Ao escrever aos Coríntios, ele disse: “Escrevo-vos assim, não para vos envergonhar, mas para vos admoestar como meus filhos amados”. Concedei-vos ter dez mil guardiães em Cristo, tendes apenas um pai. Fui eu que vos gerei em Cristo Jesus através da minha pregação do Evangelho. Rogo-vos, pois, que sejais imitadores de mim. Por isso vos enviei Timóteo, meu amado e fiel filho no Senhor” (1 Cor 4, 14-17).
Até cerca do ano 400, um bispo era chamado “pai” (“papa”); este título, então, limitava-se apenas a dirigir-se ao bispo de Roma, o sucessor de São Pedro, e em inglês era traduzido por “papa”. Em uma forma inicial de seu governo, São Bento (d. c. 547) designou o título aos confessores espirituais, já que eles eram os guardiães das almas. Além disso, a palavra “abade”, denotando o líder na fé da comunidade monástica, é derivada da palavra abba, a palavra hebraica aramaica pai, mas no sentido muito familiar de “papai”. Mais tarde, na Idade Média, o termo “pai” era usado para se dirigir aos frades mendicantes – como os franciscanos e os dominicanos – já que, com sua pregação, ensino e obras de caridade, cuidavam das necessidades espirituais e físicas de todos os filhos de Deus. Nos tempos mais modernos, os chefes das comunidades religiosas masculinas ou mesmo os que participam dos Concílios ecumênicos, como o Vaticano II, recebem o título de “pai”. No mundo anglófono, dirigir-se a todos os sacerdotes como “Pai” tornou-se um hábito.
Em nota mais pessoal, o título para mim é muito humilde. Como sacerdote, “Pai” me lembra que me foi confiada uma grave responsabilidade por Nosso Senhor – Seu povo fiel. Assim como um pai deve alimentar, instruir, desafiar, corrigir, perdoar, escutar e sustentar seus filhos, assim também um padre deve fazê-lo por seus filhos espirituais. O sacerdote deve responder especialmente às necessidades espirituais dos que lhe são confiados, fornecendo-lhes o alimento de Nosso Senhor através dos sacramentos. Ele deve pregar o Evangelho com fervor e convicção, de acordo com a mente da Igreja, desafiando a todos a prosseguir naquele caminho de conversão que conduz à santidade. Ele deve corrigir aqueles que erraram, mas com misericórdia e compaixão. No mesmo espírito que o pai e o filho pródigo, o sacerdote deve reconciliar os pecadores que se desviaram, mas procuram um caminho de volta a Deus. Assim como um pai escuta seu filho, também um sacerdote deve escutar seus filhos espirituais, dando conselhos e consolações. O sacerdote também deve estar atento às necessidades “físicas” do seu rebanho – alimentação, moradia, vestuário e educação.
Enquanto os sacerdotes podem ser celibatários, as palavras de Nosso Senhor aos Seus Apóstolos soam verdadeiras: “Eu vos dou a minha palavra, não há quem tenha deixado casa, irmãos ou irmãs, mãe ou pai, filhos ou bens, por mim e pelo Evangelho, que não receba nesta idade cem vezes mais casas, irmãos e irmãs, mães, filhos e bens – e perseguição além disso – e na era futura, a vida eterna” (Mc 10,29-30). Na verdade, o celibato liberta um sacerdote para ser um pai generoso para os seus filhos espirituais. Todos nós devemos rezar pelos nossos sacerdotes, especialmente aqueles que servem nas nossas paróquias e os recém-ordenados para a nossa diocese, para que, pela graça de Deus, se esforcem por cumprir a responsabilidade de ser “Pai”
Nota do editor: Este artigo é cortesia do Arlington Catholic Herald.
Foto do Padre James em Unsplash